Dilemas técnicos das Obras Públicas: a arquitetura e o urbanismo como polêmica.
Eis um tema tão amplo quanto polêmico ultimamente! Não só por conta deste período “pós Lava Jato”, abençoado para muitos e tenebroso para alguns; mas porque têm-se levantado dúvidas a respeito das obras e seu papel “ideal”.
Questões extremamente delicadas que antes não se ousava discutir reúnem temas como sustentabilidade, inovação e tecnologia nas Contratações de Obras Públicas e que vieram à tona de uma fervorosa análise – principalmente no âmbito social e jurídico – acerca de sua aplicação pontual voltada para o privilégio de poucos, em um país imenso e cuja população marcada por contrastes tem opiniões variadas sobre o real cumprimento da “função social” de obras do tipo. Será possível uma resposta definitiva num país de tamanho território e pluralidade? Onde questões sociais, econômicas e políticas das mais diversas permeiam implacavelmente quaisquer intenções de “Obras” de melhoria?
Dada a complexidade de uma (possível) discussão sobre o tema, é mais produtivo e claro pensar num exemplo prático: a habitação social.
Na região Sudeste do país, que apesar de intensa pluralidade, (infelizmente) encontram-se numerosas comunidades vivendo em condições sub-humanas sem os serviços básicos de infraestrutura como água e luz; convivendo com muitas doenças decorrentes do esgoto à céu aberto, lixo, barracos insalubres sem ventilação e iluminação adequados, sem quaisquer recursos que possam enquadrar-se no conceito de “habitável”.
Nesse cenário caótico de desgraça social, contratam-se projetos de Reurbanização, Requalificação e Conjuntos Habitacionais aparecem aqui e ali, muitas vezes precedidos de oficinas de “participação social”, cujo discurso técnico “instrui” devidamente os futuros habitantes sobre os conceitos modernos (sim, modernismo mesmo, aquele da primeira metade do século XX) de moradia nos chamados “edifícios lâmina” que possuem o corredor-varanda como circulação principal entre os apartamentos. Pois bem, os desenhos são lindos, o conceito é interessante, é salubre, e a moradia traz consigo toda a infraestrutura e o devido saneamento, que antes não existia, e mais, traz o “endereço”. A moradia legal, no sentido de propriedade privada. E pronto! O morador já está devidamente “orientado” a ser feliz em seu novo lar.
A partir daí a polêmica recorrente entre os profissionais da área tem de um lado a pergunta: “esse modelo é o mais barato, afinal os recursos públicos são sempre muito escassos?” e de outro lado, “por que é voltado para a população carente, não merece a qualidade arquitetônica”?
Dualidades como essa não são peculiaridades da Habitação Social, isso acontece também nos equipamentos públicos voltados para área da Saúde, da Educação, Esportes, Cultura e Segurança Pública.
Os tais “eixos estruturais” das construções ortogonais, cujas estruturas podem ser mais baratas, foram “demonizados” sobre a justificativa de “engessar a forma” e restringir a criatividade; a identidade visual a alguns equipamentos à exemplo da Saúde, libera a instalação de Brises metálicos nas fachadas sem antes definir a real necessidade dos mesmos – muitas vezes em Face Sul, carentes de manutenção periódica, instalados para que a ferrugem dê a fachada uma coloração diferente. São muitos os exemplos que caracterizam o problema que traz a falta da distinção entre a obra pública e a obra privada.
Extrapolando as questões do edifício que traz a arquitetura e ampliando os horizontes para o viés do urbanismo, a mesma análise é importante no sentido de promover a acessibilidade, o acesso à infraestrutura, desenvolvimento urbano muito além de vias asfaltadas, contemplando também a drenagem, o saneamento e as redes de distribuição de água e luz. Viabilizar a conexão entre polos industriais, a ideal conexão de terminais logísticos às vias de distribuição de mercadorias, seja por meio rodoviário, aéreo ou ferroviário (ao que parece estamos num período de retomada de nossa malha ferroviária… que assim seja!).
Tantas são as questões relacionadas as obras públicas, pela falta da ponderação dos números da questão social, os números dos recursos econômicos e principalmente, a ética distribuição na hora de alocar recursos para obras A ou B, fazendo uma pergunta simples que falta a muitos técnicos: com este recurso, quantas famílias a mais conseguiremos atingir? Não seria mais ético e solidário com o próximo, pensar em ter mais famílias em apartamentos com o mínimo de infraestrutura, salubridade e tudo que o enquadre no conceito de “habitar”, ou ainda vale oferecer uma “varanda” como “qualidade” formal, para poucas famílias?
O público traz a delicadeza e a enormidade do que é coletivo, do comprometimento com aquilo que é nosso. O dinheiro não é do governo, é público. Cabe aos profissionais envolvidos nas contratações públicas ter posturas igualmente responsáveis e imbuídas de senso de comunidade, empenhados em construir a cidade. Ainda há um longo caminho a seguir, creio que esta época de consciência política e de informação de tudo em todos os lugares seja extremamente benéfico pra que se possa vislumbrar que o projeto de uma obra pública deve ser considerado desde a concepção até a prestação de contas, com a responsabilidade do bem comum.
Foto https://pixabay.com/pt/photos/guindaste-constru%c3%a7%c3%a3o-cidade-urbano-7114789/