Os Caminhos da Acessibilidade
Imagine só por um momento que você, infortunadamente, venha a sofrer um acidente doméstico sendo obrigado a imobilizar uma de suas pernas.
Essa sua novacondição coloca você, pelo menos temporariamente, em um grupo de indivíduos que pertencem à classe de Pessoas com Deficiência. Segundo dados do IBGE de 2019, 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) considerou quatro tipos de deficiências: auditiva, visual, física e intelectual.
Somado a essas, possuímos uma enorme parcela da população que podem vir a adquirir de forma temporária algum tipo de deficiência, como o casoilustrado no início do artigo. Além disso, existem inúmeros outros exemplos que colocam o ser humano como dependente de espaços e equipamentos adequados.
Esse expressivo total acima serve de alerta (ou pelo menos, deveria) para que profissionais comoarquitetos, engenheiros e construtores, busquem e apliquemsoluções viáveis que ofereçam as mínimas condições necessárias voltadas a essa parcela da população, ainda tão desassistida pelos responsáveis por equipamentos urbanos em geral.
Mais do que apenas tentarmos nos adequar às leis que regem esta área, é importante ressaltar que o conceito, o escopo das normas de Acessibilidade em regra geral é garantir a acessibilidade ao maior numero possível depessoas sejas essas com deficiência ou não.
E é essa abrangência que torna a norma igualitária na acepção da palavra.
Um pouco de legislação-porque não?
A preocupação com o tema Acessibilidade começou a ganhar força em um passado relativamente recente.A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 (Apoio às Pessoas Portadoras de Deficiência) estabelece normas gerais para assegurar os direitos das pessoas com deficiência, e sua efetiva integração social;
A essa lei sucederam se outras, como o decreto 3298 de 1999 quedispõe sobre a Política Nacionalpara a Integração da Pessoa com Deficiência (e que já não esta mais em vigor);odecreto 5296 de 2004…que regulamenta as Leis 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dáprioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras …Entre outros dispositivos jurídicos… Importante citar a norma da ABNT NBR 9050 de 2004 quepropõe Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
Essa mesma norma foi revisada e oficializada em 2015, mas o trabalho nessa área não cessa e uma terceira revisão jáesta em andamento.
Em 2015 também tivemos um grande avanço no que tange a área de Acessibilidade com a implementação do Decreto Federal 13146 que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)onde, entre outras providencias, dispõe:
Art. 4o Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1o Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ouanular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.
Nessa mesma lei no artigo 32 prevê reserva de, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades habitacionais para pessoa com deficiência; além de prever em seu artigo 58 uma regulamentação futura para atendimento de pessoas com deficiência às unidades deapartamentos acessíveispor parte das construtoras e incorporadoras responsáveis pelo projeto e pela construção das edificações.
Essa regulamentação veio em 2018 através do decreto9451, este Decreto regulamenta que:
I – edificação de uso privado multifamiliar – aquela com duas ou mais unidades autônomas destinadas ao uso residencial, ainda que localizadas em pavimento único;
Art. 3º Os empreendimentos de edificação de uso privado multifamiliar serão projetados com unidades adaptáveis, nos termos do disposto neste Decreto, com condições de adaptação dos ambientes para as características de unidade internamente acessível, observadas as especificações estabelecidas nos Anexos I e II. Parágrafo único. Nas unidades autônomas com mais de um pavimento, será previsto espaço para instalação de equipamento de transposição vertical para acesso a todos os pavimentos da mesma unidade autônoma.
Art. 6º Os empreendimentos que adotarem sistema construtivo que não permita alterações posteriores, tais como a alvenaria estrutural, paredes de concreto, impressão 3D ou outros equivalentes, poderão não atender às obrigações previstas nos art. 3º, art. 4º e art. 5º, desde que garantam o percentual mínimo de três por cento de unidades internamente acessíveis, não restritas ao pavimento térreo.
Na prática o que muda com esse novo decreto 9451/2018?
A partir de 27 de janeiro de 2020, as construtoras e incorporadoras passam a ser obrigadas a entregar os apartamentos e ou unidades pertencentes a condomíniosmultifamiliares residenciaisque tenham condições de se tornar acessíveis ou, ao menos, passíveis de serem alterados para uma eventual necessidade de adaptação para pessoas portadoras de deficiência. Caso o comprador ou futuro morador solicite, os ajustes necessários devem ser feitos pela construtora. Após o inicio das obras, a responsabilidade é do adquirente.
Uma das principais exigências é que todas as novas unidades tenham espaço suficiente para que uma cadeira de rodas possa fazer um giro de 180 graus.Além disso, nas áreas internas, além da área de manobra, devemos considerar as áreas de aproximação lateral e frontal dos equipamentos e móveis como fogão, pia e cama, bacia etc. Com relação a portaso mínimo para passagem deverá ser de 0,80m extinguindo se portas de 0,70m ou menores, etc. Essas alterações devem ser pensadas sem prejuízo das instalações estruturais, elétricas ou hidráulicas. Existem ainda inúmeras outras exigências, todas com base na norma NBR 9050.
Onde essa regra não se aplica?
As novas regras não se aplicam nos seguintes casos:reformas, projetos aprovados anteriormente a data em vigor dessa lei (ou seja, janeiro de 2020), regularizações fundiárias, loteamentos voltados para habitação de interesse social-HIS (obs. Para as HIS observa se o disposto no decreto13 146 artigo 32) e apartamentos de um dormitório com até 35 m² e de dois dormitórios com até 41 m² de área útil.
Outros ambientes e equipamentos a considerar
Discorremos de forma sucinta sobre asmais novas alterações da lei no que se refere àAcessibilidade de edificações privadas de uso multifamiliar, mas desde o decreto de 5296/2004que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da Acessibilidade das pessoasportadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, ao projetar e pensar em espaços e equipamentos, o profissional deve observar todos os outros equipamentos que fazem parte desse universo, desde a acessibilidade emcalçadas ,espaços para acesso e vagas de veículos, passando por equipamentos táteis, visuais e sonoros que devem obrigatoriamente se fazer presentes em áreas e espaços comuns .
Vamos retomar ao exemplo do inicio… Quais as dificuldades por que passam as pessoas com deficiência para acessar uma calçada? Para se movimentar em uma casa de shows? Em um cinema? Para acessar um equipamento esportivo, uma academia, um restaurante, para fazer uso de instalações sanitárias, para se deslocar em um prédio comercial, uma sala de aula, para vencer desníveis?
Instrumentos para facilitar e aplicaressas regras para adequar espaços e ambientesjá estão disponíveis : além dos dispositivos em lei,o universo da Acessibilidade é composto por regras e normas para rampas e escadas, que preveem condições mínimas de esforço, além de corrimãos em alturas ergonômicas, equipamentos mecânicos como elevadores e plataformas, pisos táteis e placas em braile, sinais sonoros para facilitar o deslocamento e ou acesso ao ambiente;
À disposição dos profissionais da área para implementar projetosacessíveisforam criados e normatizados também os mapas táteis, muretas de balizamento, equipamentos de transferência para piscinas, áreas mínimas de recuo, aproximação frontal ,lateral e de transferência, , dimensões mínimas para banheiros, passagem de portas e corredores ,vagas para autos, altura de dispositivos de comando, mobiliário próprio, etc..
Baseado nas exigências e legislações atuais expostas acima fica claro o porquê da atenção que arquitetos, engenheiros e construtores devem ter com relação à possibilidade de projetar um ambiente acessível, seja ele uma unidade privada multifamiliar até áreas urbanizadas completas que abarquem todo o planejamento de uma cidade.
A seguir, alguns desenhos básicos presentes nesse universo da Acessibilidade:
VAGAS:
PORTAS:
ÁREA DE MANOBRA:
DESNÍVEIS E ALCANCE:
BANHEIRO:
Esses desenhos, dentre outros, são compostos por estudos fundamentados em ergonomia queorientam como projetar para que pessoas portadoras de deficiência,mais do que apenas exerçam o direito de ir e vir,possam realiza lo de modo independente. É nesse preceito, dentro da Acessibilidade, que nós profissionais devemos atuar, no papel que nos cabe ,buscando sempre a excelência para criar paracada ser humano um ambiente de qualidade onde haja igualdade para todos não importando suas diferenças.
Arquiteta Rita Maria Giulietto Modena