Permacultura na Perspectiva da Construção Civil
Fernando S. Okimoto[1]
O termo “permacultura” já tem quase meio século!
Foi criado por Bill Mollison na década de 1970 como estratégias para tornar os assentamentos humanos rurais na Austrália mais eficientes e, consequentemente, menos impactantes ambientalmente, menos frágeis socialmente e mais estáveis economicamente.
De pronto, caro leitor, acho que estão pensando: “50 anos atrás? Parece uma discussão tão global, tão necessária à construção civil, tão contemporânea!”
Pois é, olhar a permacultura na perspectiva da construção civil (e vice-versa) parece ser necessário e urgente…
Estamos vivenciando uma construção civil (do ponto de vista das obras, das utilizações e dos descartes das edificações) consome mais da metade dos recursos naturais do planeta, consome grandes quantidades de água e energia, produz grandes quantidades de gases de feito estufa e CO2 e cerca de metade do volume de resíduos urbanos produzido.
Com tantos impactos negativos, é de se esperar que deve ter impactos positivos na mesma medida ou, preferencialmente, maiores, certo? Certo!
Bem, as edificações são os abrigos para as atividades e dos seres… devem proporcionar habitabilidade, devem acomodar equipamentos, devem armazenar/guardar bens e etc dos elementos da natureza e de nós mesmos… devem isolar-nos do frio, do calor, da chuva, da neve, dos ventos e etc ou permitir-lhes a entrada, se esse for nosso desejo.
Entretanto, não vejo nossa soberania nisso… ambientes quentes, frios, fechados, úmidos, demais ou de menos, são impostos e não isso parece nada eficiente pra mim…
Utilizo a “eficiência” então, como o início da relação da construção civil com a permacultura. Precisamos de uma construção civil que busque não consumir tantos recursos naturais e nem produza tanto resíduos e, ao mesmo tempo, seja o que esperamos e precisamos que ela seja. A permacultura fala de cuidarmos do planeta, das pessoas e de uma distribuição mais justa dos custos e lucros. Isso se aproxima muito dos famosos pilares da sustentabilidade: social, ambiental e econômica. Para isso, a permacultura antiga dizia pra pensar na agroecologia, nas bioconstruções e participação social para garantir tais abordagens. Tal como a permacultura evoluiu do recorte exclusivamente rural para as cidades, os elementos também foram evoluindo e novos conceitos estão associados atualmente.
Para não ficar conceituando muito, penso que a construção civil das edificações e das infraestruturas urbanas deve se estruturar:
– nas bioconstruções,
– nas tecnologias sociais;
e
– nos desempenhos necessários.
Primeiramente, as bioconstruções aqui citadas, se referem as tecnologias materiais e de processos construtivos que se utilizam de matérias primas de fontes renováveis ou residuais (bambu, madeira de reflorestamento, borracha natural ou entulho e resíduos industriais, por exemplo) em detrimento das usuais fontes minerais e biológicas finitas, tais como areia de rio, jazidas de rochas e florestas nativas. Esse é um movimento detectado entre os pesquisadores do mundo todo e, no seu devido tempo, chegará ao mercado.
As tecnologias sociais são definidas como sendo tecnologias produzidas baseadas no conhecimento popular, local e específico, contado assim, com a participação dos usuários no planejamento e, por vezes, na produção do próprio espaço urbano, da infraestrutura urbana e das edificações também. Com isso, fica evidente que o produto final, a tecnologia, é algo intimamente relacionado ao que o usuário precisa, afinal foi ele quem planejou e/ou executou. Como exemplos dessa desconexão com os anseios populares, cito os edifícios envidraçados que são igualmente construídos para usuários no nordeste brasileiro e no sul do país. Em ambos os casos, há uma evidente necessidade de resfriadores e calefatores e, mesmo assim, não se tratará nunca de ambiência natural… Cito também as praças públicas que não têm qualidades e nem os atrativos certos e, por isso, são subutilizadas ou mesmo não são utilizadas e as infraestruturas urbanas equivocadas que acabam tendo que ser personalizadas pelos usuários… uma lixeira que serve de banco ou trocador de crianças… a base disso é parar de impor os repetitivos modelos da construção civil e começar a perguntar, ouvir e, finalmente, responder às demandas.
Por fim, voltando a falar de desempenho, a construção civil é conhecida por ser uma indústria ineficiente. É fato que seu produto, uma edificação, é mais complexo que em outros setores industriais, tais como produzir um simples parafuso ou repetitivos modelos de carros. Bem, isso pode explicar, mas não justifica não buscarmos melhorias e ajustes. Trinta e cinco anos atrás, um professor me assombrou dizendo que a cada edifício que produzíamos na época, dois outros eram jogados fora com desperdícios, retrabalhos e afins… isso melhorou hj? Quanto? Não posso garantir, mas tenho a impressão que diminuímos a quantidade de edifícios jogados fora, metaforicamente, para jogarmos fora o próprio que construímos… a qualidade do construído está pior… temos hjpiores planejamentos, materiais, controles e etc… e isso precisa mudar… não acho que normas técnicas ou leis devem orientar esse caminho, mas algo precisa dizer os caminhos dos desempenhos materiais e operacionais, passando pelos planejamentos das manutenções e pela determinação da durabilidade das construções…
Assim, a ética estabelecida pela permacultura ao longo desse meio séculoe os seus doze princípios de planejamento, ambos apresentados na figura 1 e as metodologias de planejamento permacultural,que consideram os elementos da figura 2, pode ser um caminho a ser trilhado pela construção civil e pelos indivíduos também…
Figura 1 – Ética e Princípios da Permacultura
Figura 2 –Domínios do Planejamento Permacultural
[1] Eng. Civil e Prof. Dr. do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente.
Email: fs.okimoto@unesp.br
CV: http://lattes.cnpq.br/6072352360545981
foto em destaque: https://permacultura.ufsc.br/o-que-e-permacultura/ de 14/08/2020 12:00 h/GTM-3