Efeitos psicológicos da luz
A luz faz parte de nossas vidas desde que nascemos. Abrimos os olhos e lá está. A natureza nos permite ver, porque a luz incide nos objetos, nos mostra a volumetria, a sombra e nos faz perceber as dimensões, as distâncias e as formas.
Já trazemos em nossa carga genética as sensações do dia e da noite. Ainda na barriga, o bebê se desenvolve entendendo por meio do horário da alimentação da mãe, do descanso e da atividade, o tempo. O ritmo interno do corpo é estabelecido pelo centro de regulação dos ritmos circadianos. A luz solar é responsável pela sensação química de bem estar.
Ao receber luz por meio da visão, as células fotorreceptoras estabelecem uma conexão neural com o cérebro e, dessa forma, descrevem a noção do dia e da noite. Essa ideia de tempo se concretiza na sincronização biológica que acontece pelo fato do organismo entender que já é dia ou que já é noite e, assim, metabolizar hormônios essenciais ao nosso dia-a-dia, que nos farão dar dinamicidade em nossas atividades ou entender que já é momento para o descanso. A ausência de luz gera uma ruptura nessa mensagem ao cérebro e assim afeta a noção de passagem do tempo. Nem fome, nem sono. O ciclo que se diz biológico se perde e, assim, entram em cena alguns distúrbios como a depressão, alterações metabólicas e hormonais, falta de concentração e insônia. Ambientes como shoppings e hospitais em que não se estabelecem, nos projetos luminotécnicos, essa passagem do tempo, como a mutação da temperatura de cor da luz, fazendo uma alusão ao próprio dia, geram alterações psicológicas e fisiológicas ao individuo, muitas vezes irreversíveis.
A ausência da luz faz viver conforme o tempo interno e não regulado pela luz solar. Assim, quando isolados e no escuro, passamos a perceber o nosso organismo em suas funções distanciadas da sensação do dia e da noite. A exposição ao ciclo anormal de luz pode gerar níveis altos de hormônios no cérebro que podem vir a resultar em comportamento depressivo e cognitivo alterado. Os espaços projetados devem absorver as questões relacionadas aos princípios básicos em promover luz solar natural incidindo de forma direta, porém filtrada, nos ambientes ocupados pelos seres humanos. É necessário e vital.
Os estímulos visuais recebidos através da luz não estão somente sujeitos à fisiologia humana de forma objetiva, mas estão relacionados com a experiência, a atuação humana no meio em que vive de forma subjetiva, carregando suas relações com o mundo a sua volta. As diferenças sociais e biológicas de cada indivíduo criam níveis de sensibilidade específicos. As experiências vivenciadas trazem possibilidades de percepções diferentes aos espaços.
A memória genética também é responsável pelo acolhimento ou repulsa relacionada a determinados ambientes. Já vivenciamos momentos em que não sabemos exatamente o porquê não nos sentimos bem em determinado lugar. Sensações como essas precisam ser entendidas pelo projetista. No momento em que se faz o contato com o cliente, é importante criar abordagem para acessar as melhores e as piores memórias relacionadas aos espaços com ou sem a presença de luz. Assim, haverá maior conexão entre projetista e cliente. A probabilidade daquele lugar atender às expectativas se tornam bastante elevadas.
No âmbito psicológico, o efeito da escuridão ainda pode criar sensação de desconforto e de mau presságio, uma vez que proporções e distâncias apresentam-se deformadas, o que pode nos induzir a um julgamento errado em uma situação real. Primitivamente, a visão humana apresenta uma desvantagem em relação aos predadores naturais, cuja visão noturna, possibilitavam a caça durante a noite. A célula fotorreceptora responsável pela visão noturna, os bastonetes, não tem a percepção nítida das cores, esse fato pode explicar o motivo que nos faz instintivamente nos recolher ao pôr do sol. Essa é uma teoria que pode levar ao entendimento parece ser uma reação natural do homem desenvolvida pela evolução para garantir sua sobrevivência à noite. As crianças, por exemplo, que apresentam o medo de escuridão, a luz torna-se reconfortante, traz segurança, porque conseguem a partir de espaços iluminados, mesmo que com pouca luz, fazer o entendimento espacial dos ambientes, dimensões e formas se tornam mais legíveis.
Pensando nos vários tipos de ambientes e ambiências que podem ser gerados com a luz ou com pouca luz, podemos também observar o comportamento de seus ocupantes. A sensação ou a percepção gerenciada pela penumbra nos conecta com nós mesmos. A baixa acuidade visual resultante, muitas vezes pode nos deixar relaxados em ambientes ou espaços que nos são familiares, como em nossas residências, nossos lugares de afetividade. Assim, vivenciamos uma ação mais protagonista dos outros sentidos e uma ação coadjuvante da visão, o que nos permite liberar as preocupações com julgamentos alheios, podendo nos proporcionar segurança, auto-estima, empoderamento e, sem censuras, podemos nos libertar para as escolhas e prazeres. Estratégias assim são bem utilizadas em áreas comerciais associadas a compras de produtos e alimentos. Sem fronteiras, descortinando a liberdade de poder extrair os instintos mais primários busca-se o prazer. E assim, comprar pelo prazer de comprar, comer apenas pelo prazer de comer sem julgamentos. Submetido a uma baixa quantidade de luz não percebemos as feições que podem, por ventura, avaliar ou criticar nossas ações. Nos sentimos livres.
As sensações visuais agem no indivíduo e podem desenvolver reações que podem agregar significados e valores, essa aparente subjetividade pode influenciar a avaliação do espaço físico e da qualidade desses ambientes de forma positiva, atraindo-os, ou negativa, repelindo-os. A iluminação deve ajudar a produzir no indivíduo o estado de ânimo que responde a seu desejo ou ação de forma positiva. O ambiente só influencia o comportamento porque este tem efeito sobre ele. Moldamos as construções, mas no fim, ao habitarmos ou usarmos os locais, eles moldam nossa forma de agir, de pensar, de sentir. A importância do profissional em ter a sensibilidade para ouvir e garantir que os elementos construtivos projetados são exclusivos para àquele projeto, porque darão ao indivíduo a experiência positiva, gerando memórias afetivas, apropriação e principalmente criando sua identidade no lugar.
Buscar a identidade é uma orientação interessante para projetos direcionados a idosos. A necessidade de ter sua territorialidade, sua presença, as memórias, sua materialidade no local que habitam podem gerar sentimentos de auto-confiança, apropriação e auto-afirmação, o que pode contribuir para uma vida mais ativa. A iluminação deve buscar tecnicamente a boa acuidade visual com a quantidade adequada de luz para as atividades laborativas e ao mesmo tempo o profissional deve pensar no ciclo biológico da pessoa idosa e, assim, criar a intersecção entre o que é fisiológico, o que é psicológico e a técnica projetual, fazendo novas sinapses, novas construções internas ao cérebro, nas questões cognitivas, à medida em que o espaço é gerado com possibilidades de estimulo visual. É o conjunto VISÃO, SENSAÇÕES E BIOLOGIA. O cérebro, portanto é estimulado a um só tempo de forma sensorial, emotiva e instintiva.
O bom projeto é qualitativo, é quantitativo a partir de necessidade e demandas. A luz é volumétrica, está no espaço e por tanto deve ser tratada como elemento tridimensional que provoca reações. A luz não é só para iluminar. A luz direciona o olhar, revela a arquitetura e a emoldura.